DE BABEL E DE MARFIM

Caminhava olhando para os pés, queixo colado ao peito, como se nada mais pudesse ver de novo.

Não olhava para os lados, o periférico sumira, envolto em certezas arraigadas.
Todo entorno, já sabido, igual.
Sonhos, todos já sonhados e não realizados. Vida, contemplada pelas janelas dos olhos.
Nada restava, igual ou diferente, além do conhecido.
Caminhava distraído, envolvido em sua solidão, já amiga.
Tinha a si mesmo, como companheiro e cúmplice, no desperdício da existência.
Todas as paisagens apagadas, todos os sentimentos domados, todas as vontades e esperanças adormecidas, todo o corpo anestesiado e toda a tristeza que carregava, empurravam aquele homem fragilizado para o cotidiano, mecânico e previsível.
Caminhava sabendo o futuro, profeta de sua sorte, prevendo guerras interiores, embates fratricidas, recriações de si mesmo e demolições de cada torre erguida. 
As de Babel e as de Marfim.
Á cada passo, incorporava uma falta, de si, de algo, de alguém.
O caminho parecia, à cada dia, mais longo, mais difícil, mais íngreme. Cadafalso.
Nada esperava, nada mais desejava, senão o fim daquele caminho tortuoso.
Nada esperando, aconteceu o inesperado.
Olhando seus próprios pés, vislumbrou outro vulto, uma sombra que caminhava ao seu lado.
Ouviu ruídos de outra respiração, sentiu o calor de outro corpo.
Apressou o ritmo de suas passadas, acreditando estar imaginando para si, uma companhia.
Passos apressados o acompanharam e se aproximaram.
Tentou resistir àquela visão, apertando os olhos, cravando as unhas na palma da mão.
Assustado, ergueu a cabeça, abriu os olhos, fosse o que fosse, seria passageiro.
E lá estava ela, você, olhando sorridente, ofegante, estendendo a mão, convidando para dar um passeio em outra vida.
Com medo de que fosse uma trapaça de seu desejo inconfesso, rejeitou a oferta, buscando, na negação, seu refúgio.
Ela, você, postou-se á frente do caminho, cortou qualquer desvio, impôs sua presença.
Mostrou que o caminho que ela, você, escolhera era mais largo, com novas paisagens, novas cores e perfumes. Mostrou que a vida podia ser diferente, acompanhado.
Tomou-lhe as mãos de conforto, encheu-as de afeto, levou-a pra dançar, levitar, sentir.
Deixaram para trás todas as correntes que aprisionavam, todos os muros que escondiam e todos os carcereiros que ele criara.
Ela, você, deu alma àquele corpo, envolveu com suas asas aquele homem que não sabia voar.
Ele, que era passageiro, não passou. Você, ficou.